quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O ALTO PREÇO DA SEPARAÇÃO - PARTE 1




Começamos a vida com uma perda, somos lançados para fora do útero. Nossa mãe se interpõe entre nós e o mundo, protegendo-nos contra a ansiedade arrasadora.

Temos de suportar perdas, embora possam ser balanceadas pelos ganhos, quando nos afastamos do corpo e do ser de nossa mãe. Se nossa mãe nos deixa – quando somos muito novos, despreparados, assustados, desamparados -, o preço deste abandono, o preço desta perda pode ser alto demais.

HÁ UM TEMPO CERTO PARA NOS SEPARARMOS DE NOSSAS MÃES. Se esta separação ocorre muito cedo, antes do período saudável, danos irreparáveis acontecem, da mesma maneira, se esta separação acontece tardiamente danos gigantescos na vida deste ser também acontecem.

No entanto, algo universal acontece: somos todos abandonados pela mãe. Ela nos abandona antes de sermos capazes de entender que vai voltar. Ela nos abandona para trabalhar, para fazer compras, para sair de férias, para ter outro filho, ou simplesmente estando ausente quando precisamos dela. Ela nos abandona para ter uma vida à parte, a sua vida – e precisamos aprender a ter a nossa vida particular também.

O QUE FAZEMOS QUANDO PRECISAMOS DE NOSSA MÃE E ELA NÃO ESTÁ PRESENTE?

Sem dúvida, o que fazemos é sobreviver. Mas estas ausências nos ensinam um temos que pode nos marcar para toda a vida. E quando nos primeiros anos, ESPECIALMENTE NOS SEIS PRIMEIROS ANOS DE VIDA, somos privados constantemente da mãe que precisamos, e cuja presença desejamos, podemos ser muito prejudicados emocionalmente.

Essa privação nos primeiros anos de vida tem sido comparada a uma queimadura ou a um ferimento extenso. A dor é inimaginável, a cicatrização é difícil e lenta. O prejuízo, embora não fatal, pode ser permanente.

A criança, longe da mãe, pode apresentar reações que perduram até muito tempo depois de estarem juntas novamente – problemas de alimentação e de sono, perda do controle da bexiga e dos intestinos, e até diminuição do número de palavras que usa. Ocorre o que chamamos de ansiedade de separação, uma sensação dolorosa que inclui tanto o medo – quando a mãe se ausenta, dos perigos que terá de enfrentar sem ela, quanto o medo – quando estão novamente juntas – de perdê-la outra vez.

Como crianças, lamentamos a ausência de nossa mãe do mesmo modo que, como adultos, lamentamos nossos mortos.

A ausência produz: protesto, desespero, e finalmente alheamento.
Seria lógico pensar que, seria lógico pensar que quando a mãe perdida finalmente reaparece, a criança vai se atirar alegremente em seus braços. Mas não é isso que acontece. Surpreendentemente, ESPECIALMENTE COM MENOS DE 3 ANOS, pode receber a mãe com frieza, tratando-a com uma atitude distante e apática que quase parece lhe dizer “nunca vi essa senhora na minha vida”. É o que chamamos de alheamento – o aprisionamento de todo sentimento, enfrentando a perda de vários modos. Ela castiga a pessoa por ter partido. Serve como um disfarce para a raiva, pois o ódio intenso e violento é um das principais respostas ao abandono. E pode também ser uma defesa – que pode durar horas, dias ou uma vida inteira -, uma defesa contra a agonia de amar outra vez e perder outra vez.

A AUSÊNCIA CONGELA O CORAÇÃO, NÃO AUMENTA O AMOR. É como uma cicatriz no cérebro.

Separações graves no começo da vida deixam cicatrizes emocionais no cérebro porque atacam a conexão humana essencial: o elo mãe-filho que nos ensina a amar. Não podemos nos tornar seres humanos completos- na verdade, é difícil torna-se um ser humano – sem o apoio dessa primeira ligação.
O custo da separação é alto quando uma criança de seis meses é deixada sozinha por muito tempo, ou levada de um lar adotivo para outro, ou ainda, deixada numa creche, ainda que a mãe prometa voltar, e volte. O preço da separação, é alto em situações familiares normais, quando um divórcio, uma hospitalização, uma alteração geográfica ou emocional fragmentada a conexão da criança com a mãe.

Quando as primeiras conexões são instáveis ou desfeitas, ou mesmo prejudicadas, podemos transferir a experiência e as respostas a ela para aquilo que esperamos de nossos amigos, nossos filhos, nosso marido, até para nossos sócios comerciais.
- ESPERANDO O ABANDONO, ficamos desesperados: “Não me deixe. Sem você não sou nada, sem você eu morro”!
- ESPERANDO A TRAIÇÃO, procuramos cada falha, cada lapso: “Está vendo? Eu devia saber não podia confiar em você.”
- ESPERANDO UMA RECUSA, fazemos exigências excessivas e agressivas, com fúria antecipada por saber que não serão atendidas.
- ESPERANDO O DESAPONTAMENTO, procuramos garantir que, mais cedo ou mais tarde, seremos desapontados.

Freqüentemente provocamos aquilo que tememos, afastando os que amamos com nossa dependência incômoda, afastando os que amamos com nossas exigências excessivas. Com medo da separação, repetimos sem lembrar nossa história, impondo novos cenários, novos atores e uma nova produção para nosso passado esquecido, mas inda tão poderoso.

A perda dá origem à ansiedade quando é iminente ou considerada temporária. A ansiedade contém as sementes da esperança. Mas quando a perda parece permanente, a ansiedade, protesto, transforma-se em depressão – desespero – e não só nos sentimos sozinhos, como tristes e responsáveis (ela se foi por minha causa), sem esperanças (nada posso fazer para trazê-la de volta), desamados (“algumas coisa em mim me faz indigno de ser amado”) e desesperados (“de agora em diante vou me sentir assim para sempre”)

ESTUDOS DEMONSTRAM QUE AS PERDAS NA INFÂNCIA NOS TORNAM MAIS SENSÍVEIS ÀS PERDAS QUE SOFREREMOS MAIS TARDE. A ansiedade é dolorosa. A depressão é dolorosa. Por isso, para não sofrer, podemos criar estratégias de defesa contra a dor da separação. Estas defesas são:

1ª defesa: Indiferença emotiva. Não podemos perder uma pessoa amada, se não amarmos. A criança que quer a mãe e cuja mãe nunca está presente pode aprender que amar e precisar é por demais doloroso.
2ª defesa: Necessidade compulsiva de tomar conta da vida de outras pessoas. Ao invés de sofrer, ajudamos os que sofrem. E por meio de nossas bondosas ministrações, aliviamos nossa antiga sensação de desamparo e nos identificamos com aqueles de quem cuidamos tão bem.
3ª defesa: Autonomia prematura. Aprendemos muito cedo e não permitir que nossa sobrevivência dependa da ajuda ou do amor de pessoa alguma. Vestimos a criança desamparada com a armadura rígida do adulto autoconfiante.

Essas perdas – essas separações prematuras da primeira infância – podem desviar nossas expectativas e nossas respostas, podem desviar nosso modo de enfrentar futuras perdas necessárias das nossas vidas.

A AUSÊNCIA, ELA NOS FAZ LEMBRAR, PODE SE TORNAR “GIGANTESCA E MÚLTIPLA”. A PERDA PODE CONVIVER CONOSCO DURANTE TODA A NOSSA VIDA.

Texto baseado no livro PERDAS NECESSÁRIAS - Judith Viorst
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